BUQUÊ ANÔNIMO
- gloriadagmar
- 7 de set.
- 3 min de leitura
Era tarde, passava das 20h e Clara ainda não havia conseguido chegar em casa. Tudo era caos. Chovia muito e ela estava encharcada nas suas idas e vindas entre ônibus e metrô. O trânsito enlouquecido de São Paulo, ficava pior às sextas-feiras e catastrófico em dias de chuva, além disso hoje era dia 13 de novembro. Sexta-feira 13. Se os ditos populares estiverem certo, dia nada auspicioso. Clara respirou fundo e orou em silêncio, pedindo ao seu anjo da guarda que lhe desse paciência e compreensão para tudo que ocorrera naquele dia e que finalizava de forma tão aborrecida, apesar do lindo presente, que agora deveria estar destroçado na maleta.
O dia começara muito cedo. Ela morava do outro lado da cidade. Para chegar ao trabalho enfrentava muitas baldeações entre trem, ônibus e metrô. Comeu seu pão na chapa com ovo, seu café com leite escuro e uma banana com farelo de aveia. Tomou 600ml de água. Isso deveria bastar para o seu preguiçoso sistema excretório.
No alpendre de sua casinha simples, mas organizada, Clara abriu o guarda-chuva, uma garoa fininha e um vento gelado brindaram seu rosto como um bom dia acabrunhado.
Haveria de matar muitos leões hoje. Coragem Clara! Coragem! Disse a si mesma e partiu.
Ao chegar no escritório após o primeiro leão vencido, depositou seus pertences na sua baia, na imensa sala de telemarketing, que zunia e vibrava como um enxame de abelhas, tantas eram as ligações e atendimentos.
Se dirigiu ao banheiro, organizou sua toalete, tomou mais 600ml de água e voltou para sua cela. Bom dia! Atendimento "Forps", em que posso ajudar? Seus algozes não dormiam. Queriam respostas e soluções.
Ao meio dia, Clara foi substituída por um colega. Era hora do almoço. Sua marmita estava gelada e foi até o micro-ondas para aquecê-la. Comeu em silêncio, embora no refeitório, o zunido também não cessasse.
Clara era devota de Nossa Senhora, Mãe de Jesus. Acreditava que tinha um anjo da guarda. Acendia velas para ele e orava sempre, embora não fosse adepta de religião alguma. Ela acreditava que as religiões controlavam as pessoas pelo medo e pela ganância. Clara não tinha medos e tampouco era gananciosa. Porque então, ela orava tanto? Era para agradecer pela vida e pedir por uma jornada menos dura, menos exaustiva e que lhe fizesse mais sentido. Trabalhar para sobreviver apenas, era demais frustrante e consumia boa parte da sua fé.
Fim do almoço e Clara retornou a sua baia, que já estava vazia. Já ia passar álcool na bancada para recomeçar seu turno, quando notou no canto da mesa, um pequeno e belo buquê de margaridas. Procurou um cartão, mas havia apenas um bilhetinho impresso: Para Clara, a mocinha que é sempre gentil! Sem remetente o buquê anônimo parecia vir de alguém que conhecia os hábitos de Clara. Do trabalho não poderia ser. Não tinha amigos ali. Aliás não tinha amigos em lugar algum. Quem haveria de se dar ao trabalho de produzir tão delicado buquê para ela? Clara terminou seu horário e preparou-se para a longa jornada de volta, intrigada com seu anônimo buquê.
Finalmente em casa, livre de toda sua armadura para enfrentar o mau tempo e a balburdia da sua jornada diária, Clara lembrou do buquê e foi resgatá-lo da maleta. Ele estava intacto, havia sobrevivido, como ela, embora ela não estivesse tão intacta assim. Tirou o invólucro, apanhou um belo vaso de vidro com água e depositou as flores. Foi então que percebeu um envelope pequeno colado ao invólucro, abriu-o rapidamente e nele estava escrito: Olá Clara, não nos conhecemos pessoalmente. Meu nome é Jorge e trabalho no mesmo prédio que você. Da minha sala acompanho sua rotina diária e sua constante simpatia para com todos, o que me chamou a atenção. Tomei a liberdade de saber um pouco mais de você e não foi surpresa alguma só encontrar excelentes referências. Sendo assim, fui autorizado a lhe oferecer para gerenciar uma outra equipe de telemarketing, sendo necessário vir ao escritório apenas uma vez por semana e nos demais dias o trabalho é remoto. A empresa oferece a infraestrutura básica (equipamentos e sinal de internet), todos os benefícios que você já recebe e um aumento de salário de 45% sobre o seu valor atual e, ainda, bolsa de estudos para cursos de extensão em qualquer área que você desejar. Caso interesse a você, procure a senhora Ângela no setor de contratações o mais rápido possível e faremos a transição.
A propósito. O buquê foi ideia da Sra. Ângela, para parabenizar todas as mulheres gentis do nosso “holding”, em comemoração ao dia de hoje, 13 de novembro, Dia Mundial da Gentileza. Parabéns! Esperamos vê-la em breve.
Clara suspirou profundamente e agradeceu aos seus amigos do Céu.



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